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Corpo I

Desde muito pequena — nem sei dizer a idade — eu sentia um desconforto profundo com a pele.
Poros, texturas, contornos... me causavam um pânico quase inexplicável.

A pele é o que nos contém. A fronteira do que chamam de “eu”.

Enquanto todo mundo parecia conviver normalmente com os detalhes grotescos de ser humano, eu perguntava:
como vocês suportam isso?

Me levaram a médicos.
Me deram livros.

Mas o corpo não se resume ao que a medicina explica.
Vieram as cólicas, a menstruação, os machucados, os prazeres, as dores, as marcas, os medos —
viver um corpo sempre foi, para mim, uma experiência intensa e estranha.

Com o tempo, descobri que meu interesse não é por um corpo ideal ou bonito.
Me interessa o corpo que
age, que se move, que sente — mesmo que de forma desconcertante.

Estudei dança por anos.


E foi só mais tarde, com Agamben, que entendi:
o gesto não precisa servir a nada.
O movimento tem potência em si.
Isso desmontou a ideia de que “bom” é o movimento virtuoso.

Judith Butler me mostrou outra chave: desvalorizar o corpo é validar apenas alguns corpos.
Quando exaltamos a mente como superior, criamos uma hierarquia onde poucos pensam —
e muitos só existem como carne descartável.

Com a Cripsistemologia, aprendi que o corpo é o próprio modo de conhecer o mundo.
Não há como pensar fora dele.

E é assim que venho traduzindo minha história de medo e fascínio pelo corpo em uma investigação de movimento.
O que meu corpo sente ao desenhar?
Ao fotografar? Ao repetir gestos?
Como o corpo dialoga com a matéria, com a luz, com o som?

Hoje percebo que tudo o que crio — desenho, dança, imagem — passa por esse mesmo lugar:
o corpo que performa, que sente, que deixa marcas.

Nasci corpo —
e é nele que eu existo.

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